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NAS TRAVESSIAS EPISTOLOGRÁFICAS: A MEMÓRIA NO EXERCÍCIO ETOPOIÉTICO DE GONÇALVES DIAS
Gonçalves Dias; Correspondências; Memória; Escrita de si.
Considerando a conexão entre correspondência escrita, memória e autoficção, esta investigação analisa as cartas de Gonçalves Dias trocadas entre 1841 e 1864, explorando como a prática da escrita epistolar se configura como um exercício etopoiético, assim como um espaço especial para a construção da memória individual entrelaçada à memória coletiva. Parte-se da hipótese de que o gesto epistolar, mais do que mero registro de fatos ou opiniões, constitui um espaço de autoconstrução e de projeção de vínculos, atuando como dispositivo de preservação de si e do outro. Com base na teoria da memória e nos estudos sobre escrita íntima, a pesquisa adota uma abordagem qualitativa e interpretativa, atenta às camadas simbólicas e narrativas que atravessam as missivas, bem como aos contextos de circulação e publicação dos documentos. Ao articular a leitura crítica e a escuta das vozes epistolares, o trabalho propõe uma leitura das cartas como testemunhos sensíveis de um sujeito em trânsito entre o vivido e o escrito, entre a ausência e o desejo de permanência. O objetivo geral é analisar as Correspondências Ativas de Gonçalves Dias (1971) a partir de seu aspecto etopoiético, com enfoque na formação da memória coletiva e individual do epistológrafo. Para isso, busca-se, especificamente, compreender como se dá essa construção em seus escritos, identificando os recursos memorialísticos e históricos empregados pelo poeta maranhense e examinando as cartas que contribuem para a consolidação dessas memórias. Este estudo se fundamenta na ideia foucaultiana da "escrita de si" (Foucault, 1992), a qual sugere que a carta atua como um dispositivo de subjetivação, possibilitando ao autor desenvolver sua identidade e expressar sua verdade em ethos. Ao investigar a dimensão memorial das cartas, a pesquisa examina a interconexão entre a memória pessoal e a coletiva, baseando-se nas ideias de Halbwachs (2006), assim como na singularidade do pacto autoficcional conforme apresentado por Lejeune (2008). A análise foca na maneira como Gonçalves Dias elabora um espaço de autorreflexão e confissão, principalmente nas correspondências trocadas com figuras como Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, Antonio Henriques Leal e Guilherme Schüch de Capanema. Ademais, apoia-se nas obras de Nora (1984) e Ricoeur (2007) para elucidar a função da escrita epistolar na fixação da memória e na reinterpretação do passado. Ao conectar correspondência, memória e ethos, será possível observar ao longo do trabalho que as cartas de Gonçalves Dias vão além de meros relatos de vivências, estabelecendo um ciclo incessante de autoafirmação e validação da identidade. Dessa forma, fica claro que o ato de escrever cartas não apenas reforça as relações pessoais, mas também mantém um acordo discursivo no qual remetente e destinatário constroem um espaço para a formação da subjetividade. Portanto, conclui-se que a escrita epistolar do poeta funciona como um repositório de sua individualidade, no qual memória, autoficção e identidade se entrelaçam em um contínuo exercício de (re)construção do eu.