31 jul, 2019 • 11:01
A memória de iniciativas de debate da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC a propósito do Centro de Lançamentos de Alcântara, da política espacial brasileira e dos direitos dos Quilombolas de Alcântara poderia constituir-se em material para vários livros condensando os conteúdos abordados em mesas, conferências e moções; soma-se ainda o Grupo de Trabalho que funcionou nos anos 2000/2001 no âmbito da SBPC. Aqui situam-se os eventos organizados durante a 64ª Reunião Anual da SBPC realizada na Universidade Federal do Maranhão, (entre 22 e 27 de julho de 2012) e dessa agenda científica constaram: Conferência: “A Base Espacial e as comunidades quilombolas de Alcântara”, Conferencista: Danilo da Conceição Serejo Lopes (MABE-Alcântara) e Apresentador: Alfredo Wagner (UEA). Mesa Redonda: Benefícios econômicos e sociais da Base de Alcântara para o Maranhão: Para quem e quando? Coordenador: Natalino Salgado Filho (UFMA) Participantes: José Raimundo Braga Coelho (AEB), Raimundo Soares do Nascimento (PMA) e Sr. Leonardo dos Anjos (MABE-Alcântara) Conferência: Mesa-Redonda: “Tecnologias Estratégicas para o Programa Espacial Brasileiro – PEB: Oportunidades para as Universidades e Institutos de Pesquisas (IPS)”. Coordenador: Thyrso Villela Neto (INPE) Participantes: Celio Costa Vaz (SBF) e José Renan de Medeiros (UFRN). Mesa-Redonda: “Povos e Comunidades Tradicionais atingidos por projetos militares”. Coordenador: Cíntia Beatriz Muller (UFBA) Participantes: Deborah Duprat (PGR) e Alfredo Wagner Berno de Almeida (UEA).
Nesta 71ª Reunião foi retomado esse problema na Mesa redonda (23/7/2019): “A Base de Lançamento de Alcântara e os novos desafios colocados às Comunidades Quilombolas”, com os expositores: Dorinete Serejo Morais, Sr.Leonardo dos Anjos (MABE Alcântara) e Carlos Augusto de Moura (ABE).
O novo momento da Base Espacial de Alcântara está dado pela assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas – AST com os Estados Unidos em 18 de março deste ano de 2019. Mas as indefinições persistem sobre o que ocorrerá com o território das comunidades quilombolas, que coexistem com a Base de Lançamento e que tendo completado todas as etapas para sua titulação, desde 2008, encontram-se com o processo de titulação paralisado. Isto quando no início da década de oitenta centenas de famílias sofreram deslocamentos compulsórios e registram sucessivos confrontos com esse empreendimento até o presente.
No evento sublinhou-se a relevância de informações científicas para compreender essa realidade específica. Pesquisas demográficas, econômicas, cartográficas, de viabilidade econômica e licenciamento ambiental não tem sido trazidas a público. Efetivamente, o atendimento desse conjunto de informações compreende um esforço de transparência. O AST assinado por três ministros de Estado do Brasil teve assinatura por parte dos Estados Unidos, apenas do Secretário Assistente do Escritório de Segurança Internacional e Não Proliferação do Departamento de Estado, portanto, desigualdade política de posições dos assinantes. Caberia a indagação: esta disparidade de cargos e posições fere a soberania nacional? Temos nos empenhado nestas 04 décadas pela autonomia na produção de conhecimentos técnicos e a favor da soberania nacional.
Na sua fala, o Coronel Engenheiro Carlos Augusto de Moura remeteu os presentes para a página da AEB para leitura do Acordo de Salvaguardas Tecnológica e deu ênfase no discurso concernente ao progresso que “nem sempre é bom, nem é o que gostamos” pensando-o como um desiderato: “o progresso incomoda para bem ou para mal!”. Dessa forma quis mostrar progressos no estaleiro, no hospital, na criação de porco pintado em Alcântara. Argumentos rebatidos pelas lideranças quilombolas.
O segundo argumento sobre o Centro de Lançamento de Alcântara – CLA foi apresentado como política de interesse pela segurança da localização e reitero que o Brasil tem que “aproveitar essa oportunidade, esse momento favorável a colocar um pé na tecnologia espacial”. A propósito dos quilombolas e a Base e os Quilombolas o diretor da AEB comentou essa relação como tendo uma “coexistência interessante”.
Dorinete Serejo apresentou o território étnico quilombola formado pelos territórios de Santa Teresa, de Cajual e o território em conflito com Base de Lançamento que corresponde a 85.000 hectares. Acrescentou que em “nenhuma dessas áreas está desocupada, em todas há comunidades e são áreas que provavelmente serão ‘limpas’ para a denominada “consolidação” do CLA e indagou: por que falam em consolidação? A tendência é colocar mais o Centro de Lançamento de Alcântara onde estão as comunidades e onde vivem mais de 2000 pessoas? E retirar mais famílias? Abrange todo o litoral de Alcântara?
O que mudou em Alcântara? constituiu a segunda reflexão de Dorinete Serejo e explicou que o Hospital não faz atendimento de primeiro nível; as vias de acesso as comunidades estão em estado precário. Na comunidade de Brito os alunos não tiveram um dia de aula nesse semestre pela dificuldade de acesso. E acrescentou: “Sim, mudou. Mudou porque as pessoas foram deslocadas, mudou porque aumentou o êxodo rural, as famílias não se adaptaram à agrovila. O que mudou? Tem a banda larga, mas não serve!? É só mexer no celular e a barriga reclamando de fome, pois não se tem o que comer”.
Finalizou dizendo: “Nós temos documentos de 1856 testemunhando que nossas famílias já estavam lá, porque assinaram no documento. Tudo está lá, mas não foi dado título ao povo. Será questão de desenvolvimento, ou será o racismo que está falando bem forte. O Acordo de Salvaguardas não é nada bom. O CLA não respeita a legislação, não respeita os cidadãos brasileiros. Onde está a isonomia nesta situação? Estamos aqui para sermos ouvidos, queremos futuro porque o passado já nos massacrou demais!“
Sr.Leonardo dos Anjos frisou que estava novamente em uma Reunião da SBPC, na oportunidade para debater o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas que “está muito atrasado, pois o que está dito debatemos 39 anos atrás. Não temos avanço nenhum. O Brasil não tem tecnologia, é a mesma coisa. Indicou que foram três as tentativas de transferência de tecnologia, Rússia não transferiu, Ucrânia não o fez. É uma guerra para não transferir tecnologias. Que progresso é esse? Esse Acordo é falado desde um ano atrás e não tem nada diferente”. Referindo à fala do Coronel Engenheiro Carlos Augusto de Moura explicou que em Alcântara, “de 1993 a 1996 teve um cais de concreto, depois se fez um “T” flutuante. A Aeronáutica tinha uma lancha e foi abandonada. Houve confusão com o prefeito da época. Não tem avanço no município de Alcântara, eu não vejo nenhum avanço”.
No comentário seguinte frisou “fala-se em ganhar milhões e milhões e não é verdade. Alcântara é um município para ser melhor assistido; as comunidades de Alcântara não são comunidades assistidas. Ainda eles dizem que somos um grupinho, que nos somos os culpados. Que progresso é esse? Que desenvolvimento é esse? Houve um recuo de 302 famílias. De acordo com esse novo projeto haverá necessidade de mexer com alguém?
Leonardo dos Anjos apontou “não houve titulação e nós queremos nossa terra titulada? Para onde vai o pessoal que vai sair dessa terra? Vão para agrovilas? Vai ver as agrovilas. Eles não têm poder para transformas essas casas ruídas. As que estão boas dessas casas é para quem está assalariado. Teve transferência do bairro Aracati e depois de Maracan. Eles não querem ver o negro perto da área nobre.
O debate teve participação de Edmon Garcia, jornalista do “Brasil com Ciência” que indagou sobre o mercado de lançamento, a garantia de recuperar investimentos e os sistemas tecnológicos possíveis já não mais os VLS 1 (Programa descontinuado pela Aeronáutica, em 2016), o VLM 1 e sim a Constelação de Microssatélites. O jornalista indagou se o Brasil tem necessidade de Acordo de Salvaguardas Tecnológicas? Outra intervenção indagou no mesmo sentido: Quem está querendo esse acordo na marra? Por que não houve licenciamento ambiental? A questão da segurança e áreas de lançamento que comprimem os povoados?
Como fica a situação das pessoas? Vai ser novamente dividida, parcelada ou é a tentativa de joga-os no conflito?
Em 15 de agosto de 2017 a SBPC encaminhou a Câmara de Senadores o oficio SBPC -161/Dir. a Moção com o título: Repúdio ao deslocamento compulsório de comunidades quilombolas de Alcântara (MA) e em defesa da Base Espacial de Alcântara Resumo: Em defesa das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara, exigindo a sua titulação, e contra a cessão da Base Espacial de Alcântara aos Estados Unidos da América, tal como tem sido noticiado.
Texto da Moção: A Assembleia Geral da SBPC, reunida no dia 20 de julho de 2017, na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (MG), no decorrer da 69ª Reunião Anual da SBPC, reitera, por razões científicas e humanitárias, os termos do documento abaixo apresentado, que foi referendado por associações voluntárias da sociedade civil e instituições universitárias (PPGCSPA/UEMA), durante Audiência Pública realizada em Alcântara no dia 25 de maio de 2017: Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara – (STTR), Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara – (MABE) e Movimento De Mulheres Trabalhadoras de Alcântara – (Momtra). “CARTA AO POVO BRASILEIRO A BASE ESPACIAL DE ALCÂNTARA É NOSSA E DEVE SERVIR SOBERANA E DEMOCRATICATICAMENTE AO POVO BRASILEIRO. Alcântara/MA, 19/02/2017 O Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara (STTR/Alcântara), o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE) e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara, organizações sociais que historicamente se colocam na luta e defesa do território quilombola de Alcântara REPUDIAM veementemente os fatos noticiados recentemente por diversos meios de comunicação sobre a negociação orquestrada pelo então titular do Ministério das Relações Exteriores do Brasil cuja finalidade é a cessão da Base Espacial de Alcântara aos Estados Unidos da América, pelos fatos e razões expostos seguir. Como é de amplo e irrestrito conhecimento de toda a comunidade nacional e internacional o movimento quilombola de Alcântara, representado pelas instituições acima, sempre se colocou na dianteira do debate crítico acerca da política espacial brasileira, desenvolvida a partir da Base Espacial de Alcântara, sobretudo porque toda e qualquer intervenção ali produzida reverberará no cotidiano das comunidades quilombolas de Alcântara. O protagonismo histórico da luta do movimento quilombola de Alcântara, cuja fala há mais de três décadas ecoa na arena pública do embate político, agora com o mesmo vigor e entusiasmo, e também lançando mão da lucidez política necessária, ergue-se na defesa da soberania do povo brasileiro ao se posicionar absolutamente contrário à cessão da Base Espacial de Alcântara aos Estados Unidos da América. A Base Espacial é um patrimônio do povo brasileiro e para este deve estar a serviço. Como é sabido, sempre questionamos em diversos espaços e fóruns, inclusive acadêmicos, o modelo de desenvolvimento adotado pelo governo brasileiro, na condução da política espacial brasileira, pois, as propostas até então apresentadas sempre convergem na perda do nosso território e dos direitos fundamentais dele correlatos, razão pela qual, diversas ações judiciais tramitam nos tribunais nacionais contra o governo brasileiro, e mesmo nos tribunais internacionais a exemplo das ações em curso na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e na Organização Internacional do Trabalho, denunciando as violações de direitos perpetradas pelo governo brasileiro no comando da política espacial em Alcântara. Neste contexto, destacamos o que nos é mais caro: o não cumprimento pelo Estado brasileiro da norma constitucional dispensada no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do texto constitucional de 1988, isto é, a não titulação do território quilombola de Alcântara, cujo processo se arrasta desde o final da década de 1990, sem que até o momento tenha se encontrado uma solução que assegure os direitos das famílias quilombolas. O conflito social de Alcântara coloca dois grandes protagonistas em posições opostas do debate, sem quaisquer prejuízos dos demais atores envolvidos. De um lado o governo brasileiro que sustenta o atual modelo de desenvolvimento da política espacial, e de outro lado, as comunidades quilombolas que têm diariamente seus direitos territoriais ameaçados em virtude de um equivocado programa espacial que já demonstrara, por diversos e lamentáveis acidentes e fracassados acordos internacionais, não funcionar. Apesar disso, NÃO SOMOS CONTRA A BASE ESPACIAL! Nutrimos o mais claro entendimento sobre sua importância estratégica para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil e para o povo brasileiro. A Base Espacial constitui patrimônio científico irrenunciável do povo brasileiro. O seu uso e o seu desenvolvimento, devem servir exaustivamente aos interesses nacionais e da soberania científica do povo brasileiro, colocando o Brasil na linha de frente da exploração da tecnologia espacial. Entregá-la aos interesses estrangeiros significa, no nosso entender, renunciar a todo um esforço e investimento nacional, ainda que tímido, que já fora realizado ferindo, assim, nossa soberania. A proposta encabeçada pelo atual governo afronta a soberania e autonomia científica do povo brasileiro. E mais, os povos quilombolas gozam do direito constitucional a autodeterminação sobre seus territórios; logo, a proposta em questão vai de encontro a Tratados e Convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, a exemplo a Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. No mais, a cessão da Base Espacial de Alcântara aos Estados Unidos ou a qualquer outro país implica na afronta à autodeterminação do povo quilombola de Alcântara na gestão do seu território. E disso não abrimos mão! Mobilizaremos todos os meios e esforços que estiverem ao alcance para impedir o avanço dessa proposta neoliberalista que na prática fere a soberania do povo brasileiro e de longe a autodeterminação das comunidades quilombolas de Alcântara. Defendemos que a gestão e o desenvolvimento da política espacial brasileira sejam exclusivamente realizados pelo governo brasileiro, em parceria fundamental da comunidade cientifica brasileira. Só assim teremos um programa aeroespacial sólido, soberano e alicerçado nos valores da democracia, inclusão social e do respeito aos direitos territoriais das comunidades quilombolas de Alcântara. Assim, convocamos toda sociedade brasileira a lutar para impedir o avanço da proposta de ceder/alugar/privatizar a Base Espacial de Alcântara aos interesses americanos ou a qualquer outro país. É preciso resistir, tal qual fizemos à época da ALCA e do famigerado “Acordo Brasil – EUA de salvaguarda tecnológica” no início da década 2000. A BASE ESPACIAL é do povo brasileiro, e deve servir aos interesses soberanos e democráticos do povo brasileiro! A tecnologia e o desenvolvimento científico devem estar a serviço dos direitos do povo brasileiro. Alcântara/MA, 19/02/2017. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara – STTR/Alcântara, Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara – MABE e Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara – MO.” Se possível, gostaríamos de receber manifestação de Vossa Excelência sobre o assunto, para divulgação aos sócios da SBPC.
Atenciosamente,
ILDEU DE CASTRO MOREIRA Presidente da SBPC
Na Assembleia Geral da 72ª. SBPC em Campo Grande(MS) foi aprovada nova moção crítica ao Acordo se Salvaguarda Tecnológica, firmado com os EUA em março de 2019 e que atualmente tramita no Congresso Nacional. O texto desta moção será apresentado posteriormente.