1 jul, 2019 • 16:29
O que é um Expropriado? O que são os Expropriados da Eletronorte? O que diferencia os Expropriados dos Atingidos? Quais as políticas da empresa estatal em relação a esse grupo que soma milhares de pessoas nos municípios, a montante e a jusantes do que se convenciona denominar região de Tucuruí, local da construção da hidrelétrica de Tucuruí, inaugurada o dia 24 de novembro de 1984?
Reuniram-se cerca de duzentas pessoas no grande salão do “Mesquita”, em Tucuruí para apresentar as situações sociais referidas a essa condição de Expropriados, com a qual passaram a ser reconhecidos pela Eletronorte, empresa estatal responsável desde 1979 pelas obras e funcionamento da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
Como responderia a Eletronorte às inúmeras denúncias formuladas por quase duas centenas de pessoas que espontaneamente se encontraram nesse espaço. Quais as denúncias?
Essas duas centenas de pessoas representam uma parcela do universo de expropriados. Nessa reunião enfatizaram as datas em que indenizações seriam pagas. Contudo, a Eletronorte, muda as datas – não é mais o dia 28/6, pode ser em 08 julho mas… somente poderá ocorrer o pagamento em agosto. Quer dizer, não existe para a Eletronorte calendário fixo. Contudo, as contas de luz devem ser pagas na data certa. A empresa tem feito do tempo (Cronos) o seu símbolo de morte. Mas, Cronos e a Eletronorte guardam alguma relação? Cronos era o rei dos titãs, este rei tem aspecto destrutivo, inexpugnável, que rege os destinos e a tudo pode devorar.
Eletronorte devorou as terras, as águas, a vida de milhares de pessoas em sete décadas de intrusamento na região e impôs a morte. Um Expropriado falou publicamente que a Eletronorte os estava “matando”. O que ocorre de muitas formas: o engano das indenizações, das chamadas depreciações dos bens dos atingidos, das pressões violentas para abandonar as casas, as roças. A condenação e submissão à miséria de pescadores a jusante, a montante e dentro do lago de Tucuruí foi insistentemente narrada.
Um Expropriado apresentou-se: “Meu número de processo é 035, eu me chamo …”; e depois dessa frase vinha o que ocorreu com sua família. Eletronorte condenou os Expropriados a ser um número sem direitos.
Conforme as narrativas, a Eletronorte acelerou a viuvez de homens e mulheres, bem como, as doenças. A senhora F. A. narrou: “Nesse dia eu tive um AVC, fui para o hospital e a Eletronorte não quis saber, perdi tudo”. As viúvas vinham por seu direitos, as mães de oito, dez filhos falavam de saírem dos sítios, sem nada. Houve muitas pessoas que não foram `reconhecidas como expropriadas, embora perderam casas, sítios, frutais, castanheiras, pescaria, marcenaria. A Eletronorte anunciou, condenou e provocou a morte lenta para as pessoas de mais de cinquenta anos (e tivemos a manifestação de pessoas que iniciaram falando sua idade: “Eu tenho 76 anos”. E outros afirmavam ter 83, 94. O que enunciava um tempo que diziam de enganos e de espera pelo que consideraram ter direitos de receber da Eletronorte o que lhe é devido. Alias, muitos deles traziam os documentos que foram fotografados.
A Eletronorte subordinou poderes municipais locais, o que gera uma virtualidade de serem leais à empresa, em troca das compensações.
Em 19 de junho 2019 pesquisadoras estiveram na região do Tocantins dando continuidade a um período de pesquisa. Em 2013 uma equipe do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia executava o Projeto Mapeamento Social como instrumento de Gestão Territorial contra o Desmatamento e a Devastação: Processos de capacitação de Povos e Comunidades Tradicionais, e realizou oficinas de cartografia no mesmo espaço. Este trabalho de campo é realizado no âmbito do Projeto “ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO, MINERAÇÃO E DESIGUALDADES: CARTOGRAFIA SOCIAL DOS CONFLITOS QUE ATINGEM POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DA AMAZÔNIA E DO CERRADO”.
Neste encontro ocorrido no “Mesquita” com os Atingidos, reconhecidos como Expropriados pela Eletronorte, estavam em número significativamente maior. Naquela reunião de 2013 estiveram 37 e desta vez foram anotados 193 nomes.
Como ocorreu a organização e quais nossos registros de pesquisa? Houve um tempo de apresentação dos objetivos. Os dois mapas afixados no fundo do auditório apresentavam a Hidrelétrica de Tucuruí e seu entorno imediato, e o segundo prolongava-se na direção norte para situar a região de Barcarena e Abaetetuba nas quais se produzem novas reinvestidas com projetos de infraestrutura. Dessa forma, nessa extensão estavam sendo observados os efeitos da hidrelétrica de Tucuruí, dos projetos industriais, do agronegócio e apontava-se a guerra infraestrutural marcada pela Hidrovia do Tocantins, pela destruição do Pedral de Lourenção, e abertura do canal no leito do rio Tocantins. No Norte do rio, em Abaetetuba, o Terminal Portuário de Uso Privado – TUP Abaetetuba TUP de interesse da empresa Cargill.
Essa documentação sistemática de transformações sociais na existência de povos e comunidades tradicionais – quilombolas, indígenas, pescadores, extrativistas, agricultores, assentados, moradores das cidades e transformações ambientais reiteram o espectro de devastação avassaladora que ocorre no vale do rio Tocantins.
A oficina de cartografia teve o registro público de apresentações. Chegar ate onde estava o microfone e dizer seu nome, aquele movido por essa vontade. Em muitas dessas intervenções seguiu o que eles próprios identificaram como ação criminosa da Eletronorte No intervalo foi servido um lanche que os próprios participantes trouxeram, a saber, frutas diversas – banana, laranja, tangerina, melancia e foram oferecidos sucos de frutas, café e pão.
O segundo momento foi organizar uma mesa para descrever as situações especificas. Diferente de 2013-14 foi destacada a realidade especifica dos que foram deslocados violentamente para construção da Eclusa; dos que vivem nas ilhas; e os Expropriados. Finalizadas as intervenções procedeu-se a fase de mapeamento pelos diferentes grupos.
Ao longo da tarde vários trabalhos foram desenvolvidos pelos agentes sociais e pesquisadores – elaboração de croquis, desenho de sítios, desenho de legendas, entrevistas, revisão de documentos, fotografias.
A visita nas ilhas de Tucuruí permitiu observar as condições das casas que se transformaram em casas flutuantes. Com o aumento da cota estas casas ficam algumas inabitáveis ou precariamente habitadas, pois a água subiu até um metro de altura. De forma detida foram registradas observações e realizadas entrevistas com pescadores que convergiram para expor as dificuldades de vida e da pesca nas ilhas. As possibilidades de continuar a morar nas ilhas estão restritas ainda, pela falta de professores na escola que serve as ilhas do setor Água Fria, pela falta de energia, água potável, transporte, insegurança e as intervenções do IBAMA.
As pesquisadoras apresentaram amplamente os materiais da pesquisa anterior aos participantes das atividades e programaram com suas organizações o retorno. Ainda foram disponibilizados cópias de trabalhos acadêmicos realizados pelo NAEA-UFPA que contribuem para debater a atuação da Eletronorte, em especial sobre segurança de barragens e as condições de vida nas ilhas do Lago de Tucuruí.
Elaboração da noticia: Rosa Acevedo Marin e Jurandir Novaes
Fotos: Rosa Acevedo Marin